A essência de tudo é retirar do texto constitucional o assunto Previdência e tornar mais fácil a aprovação de futuras mudanças
Ao enviar ao Congresso Nacional o texto da PEC 6/2019, com novas regras para a previdência social no Brasil, o governo Bolsonaro propôs uma série de alterações nas exigências e condições para acesso aos benefícios. Mas a grande mudança, se conseguir a aprovação do texto no Legislativo, não será no conteúdo (da reforma) e sim na forma (de fazer reforma).
O conteúdo tem um propósito: fazer os brasileiros adiarem suas aposentadorias. Isso porque há um enorme rombo nas contas públicas que é resultado do aumento da longevidade da população, das aposentadorias precoces, da redução na taxa de natalidade, da disparidade entre os benefícios do setor privado e do setor público.
O grande pulo do gato, no entanto, está na parte do texto que desconstitucionaliza o assunto previdência, como bem relatou o jornalista Ribamar Oliveira em coluna no Valor Econômico. Ou seja, todas as regras de aposentadorias e concessões de pensões que estão na PEC 6 serão transitórias tanto para os trabalhadores da iniciativa quanto para os servidores públicos.
Após a aprovação dessa emenda, novas exigências virão e serão apresentadas ao Legislativo por meio de leis complementares. Além disso, será instituído um sistema de capitalização para o futuro (também por lei complementar).
A essência de tudo está aí: retirar do texto constitucional o assunto previdência. Dessa forma, as mudanças futuras – que virão, não nos enganemos – serão feitas necessitando de um quórum para aprovação parlamentar muito menor do que é exigido atualmente quando se precisa modificar a Constituição.
Só para lembrar: mudança constitucional (ou Proposta de Emenda Constitucional/PEC) precisa de dois turnos de votação nos plenários da Câmara e do Senado, sendo preciso 308 votos favoráveis dos deputados e 49 votos favoráveis dos senadores nas duas votações. Como lei complementar, é preciso maioria qualificada das duas casas em um turno de votação em cada Casa Legislativa (são 257 votos na Câmara e 41 votos no Senado).
Ressalte-se, de passagem, que nenhum outro governo tentou isso antes. Uma vez que os constituintes incluíram as regras previdenciárias no texto constitucional em 1988, os governos seguintes fizeram alterações por meio de emendas constitucionais. Ninguém, até agora, tentou retirar o tema da Constituição.
Os líderes do governo Bolsonaro, portanto, não irão arrancar seus cabelos ou perder noites de sono se o Congresso decidir reduzir a idade mínima proposta para homens (65 anos) e mulheres (62 anos) neste momento, mas tenderão a brigar e barganhar muito para manter no texto o mecanismo que permitirá alterar as idades mínimas aprovadas, sejam lá quais forem, por meio de uma lei complementar.
Muita gente tem criticado a excessiva ênfase do discurso de que a reforma da previdência é vital para a recuperação econômica do Brasil, visto que os resultados fiscais só irão aparecer daqui a alguns anos. São críticas legítimas. Os problemas do país estão também na má gestão dos recursos públicos, na corrupção, na oferta de serviços públicos de pouca ou nenhuma qualidade, no emaranhado burocrático e sem lógica da cobrança de tributos.
Ou seja, há muito a ser feito e neste momento parece que as autoridades apostam apenas em um único caminho que é aprovar a reforma da previdência. Realmente é “vender ilusão” à sociedade o discurso de que tudo estará resolvido com o aperto nas regras de concessão de aposentadorias e as pessoas não devem acreditar nisso simplesmente.
“Os problemas do país estão também na má gestão dos recursos públicos, na corrupção, na oferta de serviços públicos de pouca ou nenhuma qualidade”
Mas a história do Brasil mostra também que comprar todas as brigas de uma vez só é uma estratégia ruim. O primeiro passo deve ser debater e aprovar mudanças na previdência e com a participação de todos, por mais impopular que o assunto seja. Depois, confirmado que o milagre econômico não depende apenas disso, passemos à diante.
Jornalista, especializou-se na cobertura política e econômica em Brasília por grandes veículos como Estadão, O Globo, TV Bandeirantes, Jornal do Brasil. Integrou equipes de comunicação de órgãos como Ministérios da Fazenda, da Previdência, Conselho Nacional de Justiça, Superior Tribunal de Justiça.