Já imaginou o que pode acontecer se um raio atingir um avião?
Eu sei que prometi a alguns continuar a história da Rússia, mas hoje, vou contar outra porque está fresquinha. Aconteceu na última terça (31). Volto a falar da Rússia na próxima quarta, ok?
Aí vc pega um voo que decola às 6h !!! (Muitas exclamações em homenagem à minha amiga Larissa, que sempre implica comigo). Isso mesmo. S-e-i-s horas da madrugada !!
Você se programa para fazer tudo cronometrado e aproveitar, o máximo que puder, a sua cama: despertador toca, chama o Uber – porque às 4h30 não são muito os motoristas disponíveis nas redondezas – , escova os dentes, se arruma toda, penteia cabelo (importante porque já sai e me esqueci disso), calça os sapatos – já posicionados perto da porta para não acordar o resto da casa, afinal, só você vai viajar a trabalho – liga para o Uber que está perdido, dá uma referência e, enfim, #partiuaeroporto.
No caminho, já envia algumas mensagens de WhatsApp para deixar coordenadas para amigos, família, equipe (não sei porque tem sempre um que parece estar olhando para o telefone esperando você dizer: vá dormir, é para ler mais tarde). Aliás, fica a dica Zuckerberg: o WhatsApp poderia ter umas mensagens que a gente pudesse enviar envelopada, tipo: para ler ao acordar, abra somente depois do almoço ou quando terminar a reunião.
Bom, já o aeroporto, antes do portão de embarque ainda tive três minutos para pegar um chá e um pão de queijo, que estava exalando um cheiro maravilhoso. Ok, sei que essas coisas normalmente são fruto de delírios de quem acorda a essa hora, afinal, dificilmente um pão- de-queijo-de-aeroporto será tão maravilhoso quanto você quer fazer parecer.
Embarcada, você se acomoda na poltrona e não resiste a 45 segundos de leitura. Apesar de ter sentado com a certeza de que iria dar uma olhada nos jornais e terminar de ler aqueles dois textos que seus amigos enviaram e pediram opinião antes de publicar. Impressionante, mas é como se toda minha disposição tivesse sucumbido ao pão de queijo. Só pode. Foi o pão de queijo!
Enfim, você praticamente desmaia na poltrona. Uma hora e meia depois (você nem faz ideia de que passou todo esse tempo), acorda com um grito meio contido, meio aterrizado da sua vizinha de poltrona e um barulho como se uma pedra tivesse batido na lataria do carro. – Ué, mas estou num avião!!!
– Aí meu deus !!! – exclamou a vizinha de poltrona (e aqui com muitas exclamações porque ela está visivelmente tensa.)
Sem entender muito o que acontece, você abre os olhos e vira para o lado. Ao que é recebida por uma pergunta, no mínimo, delicada para responder:
– Como vc pode dormir ? – indaga sua vizinha.
Ué, você, por acaso, é um alienígena que veio à terra abduzir humanos e levá-los para a terra aonde ninguém dorme e extrair o segredo do sono? Nem adianta porque está falando com a pessoa errada. Tenho vontade dizer, mas acho melhor não seguir por essa linha de raciocínio.
– Nossa dormi ? – essa foi uma saída estratégica. Afinal , como retrucar com uma pessoa tão blasé que nem notou que dormiu 1h30 ? Tcharan!!!
– Você nem viu? – retruca mesmo assim, praticamente me inquirindo. – Foi um raio!
Sim. Estamos a uns 11.000 metros de altitude, no meio de nuvens espessas e gotas de água respingando na janela (pelo lado de fora, é claro). Raios, nesse ambiente não devem ser nada tão surpreendente. Mais uma vez, prefiro não dar voz aos meus pensamentos. Apenas um sorriso de soslaio e a observação mais estúpida que poderia ter feito:
– Ah, um raio? Sério? Realmente não percebi – digo quase que complementado, será que ele ainda está por aí para eu fazer uma selfie?
– Nossa! Impressionante! Metade do avião suspirou de susto e você aí dormindo – constata minha companheira de viagem. (Sim, com toda essa DR somos praticamente um casal a esta altura da viagem.)
Ok, essa conversa já está passando dos limites. Agora, sou a criatura sem a menor sensibilidade e solidariedade com os medos alheios porque uma desconhecida que sentou ao meu lado no avião se assustou com o raio (e um barulho também, lembram)?
Só o que me faltava: Não bastassem os dramas para administrar da minha filha que não quer emprestar o estojo para a coleguinha e não sabe dizer não, do marido que não quer a cachorra pulando enlouquecidamente e rasgando as gravatas dele quando chega em casa, as duzentas reuniões no trabalho (muitas delas preparatórias para a grande reunião com os crocantes da empresa), apoiar amigos que precisam de você, também não posso me descuidar e tenho que dar carinho aos passageiros-carentes-e-com-medo-de-raios quando estão nas alturas ? Ok. Breath, breath e sorria!
– É – me limito a dizer inclinando ligeiramente a cabeça para olhar a janela, num movimento quase que equivale a pergunta: será que esse raio derrubou a asa do avião?
– Pressão baixa. Emendo. – Meu médico me disse uma vez que quem tem pressão baixa como a minha, sente muito sono. Isso faz com que a gente perca os raios , quando estamos no avião.
– Hummm – retruca a vizinha-companheira como quem está refletindo sobre a minha afirmação.
O avião pousa.
– Chegamos ! Que bom, né ? Vou sair correndo porque estou atrasada para uma reunião. Obrigada por me contar sobre o raio. E vê se descansa um pouco, agora. – Digo e mostro aquele sorrio-de-amiga-conselheira, antes de sair rápido. Até que ela retribui. Mas ainda parecia na dúvida se eu estava debochando dela.
Já no Uber, repasso as cenas e me pergunto: o que leva uma criatura a confrontar outra, desconhecida, desta forma, só porque ela teve a petulância de dormir na hora do raio? Ou será que foi 1h30 de raio? Não vou saber porque apaguei durante todo o voo? rsrsrs.
Medo. Só pode ser. Muito medo. Questionar minha indiferença naquela situação, talvez, tenha sido a melhor forma de tentar se acalmar. Afinal, se ela achou que íamos morrer, pelo menos eu, morreria dormindo , na cabeça dela!
Até acho que não porque mesmo que eu não acordasse nessa situação hipotética, suspeito que ela me acordaria, simplesmente para ter companhia. Medo a dois ou a três parece ser mais reconfortante do que sozinho, né? Podemos apertar as mãos, nos abraçar, gritar juntas ou simplesmente ser cúmplices de olhares aterrorizados.
“Medo. Só pode ser. Muito medo. Questionar minha indiferença naquela situação, talvez, tenha sido a melhor forma de tentar se acalmar. Afinal, se ela achou que íamos morrer, pelo menos eu, morreria dormindo , na cabeça dela!”
Sei lá o que se passou na cabeça dela. O medo costuma paralisar. No caso, ela quis falar, me confrontar. Talvez eu devesse ter dado um abraço ? Dizer: lamento. Como fui dormir no meio dos raios? Talvez fosse alta a probabilidade dela me achar uma louca nessa situação? O que você faria?
Sentada no carro, a caminho da reunião tenho vontade de rir. E de escrever. Ah , seres humanos, que coisa fantástica somos, não ? Chuvisca e faz muito frio. Olho para o céu completamente tomado por nuvens na expectativa de ver um novo raio. Ele não aparece. Eu sempre perdendo o melhor da festa! Rio sozinha.
Resolvo perguntar para o motorista :
– O sr. já viu muitos raios hoje nesse trânsito todo?
-Nossa! Nem me fale. Ainda bem que estou dentro do carro – comenta.
-E vc sabe, né? Aqui, os pneus são de borracha. Neutralizam – Ele em explica num tom professoral.
A conversa me remete para uma rua imaginária alagada, uma chuva de raios e trovões e nós dois protegidos dentro do carro graças aos pneus de borracha.
Realmente, no céu isso não valeria. O pneus estariam recolhidos, sem contato com nada. Mas já li algo dizendo que a fuselagem tem alguma proteção. Mesmo assim, deveria ter sido mais sensível à preocupação da minha companheira de voo. Prometo não perder os próximos raios quando viajar tão cedo. Talvez até pergunte ao meu vizinho ao embarcar: você tem medo de raio? Se ele me responder: não. Aí, sim, poderei dormir com a consciência tranquila !
E, você aí, por favor, jamais durma no avião num dia de raios. Seu vizinho de poltrona pode precisar de você. Até a próxima.
* Se você, minha vizinha de poltrona, chegar a ler esse texto, saiba que lamento não ter sido uma boa companhia em meio aos raios (ou o raio) do nosso voo. Espero te encontrar de novo.
Jornalista e economista com mais de 25 anos de experiência nos grandes jornais do país (Folha, Estadão, O Globo, Gazeta Mercantil, Correio Brasiliense, TV Record), especializada na cobertura financeira e política em Brasília, foi assessora especial no Ministério da Fazenda.