Porque o trabalho em equipes multidisciplinares, onde podemos aprender todos os dias com os colegas de trabalho, deve ser estimulado pelas empresas
Você chega cedo naquele espaço que ocupará a maior parte ativa do seu dia: seu trabalho. Sim, considerando que o dia tem 24 horas e que o tempo médio de sono recomendado é de 8h, sobrariam 16h livres. Digo sobrariam porque, destas, uma parte você usa para se arrumar, outra, para ir e voltar do trabalho, sem contar o tempo em que está falando sobre o trabalho, muitas vezes com colegas do trabalho.
Enfim, a realidade é que esse ambiente é dominante na sua vida e, por mais que sejamos disciplinados para deixar os problemas profissionais do lado de fora da porta quando entramos em casa, o trabalho nos ocupa muito mais do que deveria.
E, se não é no físico, é na mente. A tecnologia que nos trouxe tantas facilidades trouxe também mais, adivinhem ? Trabalho. Se não é o relatório ou projeto literalmente, é a atualização sobre aquela fofoca do fim do dia, os grupos de WhatsApp, a preparação para o dia seguinte, a notícia que é preciso acompanhar e … os arranjos e articulações a que muitos se dedicam para “fazer um bom trabalho”. E porque “fazer um bom trabalho” entre aspas? Porque o “bom” é uma percepção, na minha avaliação, errada de uma realidade em que ganhar, impor sua opinião passou a ser mais importante do que a própria opinião e os efeitos de determinada ideia para empresa.
E é nesse tipo de situação específica, que quero concentrar minha avaliação. Portanto, não é que só tenhamos coisas ruins, mas é sobre esse ponto negativo que gostaria de chamar atenção. Na figura, a meu ver, devastadora nas relações humanas e profissionais: o (ou os) falso (s) amigo (s) corporativo (s).
Ôo inferno
Sabe quando você está chegando no prédio, dentro do elevador ou mesmo numa sala de reunião e sorri com o seu sorriso “forçado” enquanto pensa por dentro: ôo inferno? Ou ainda quando ri das piadas e até finge estar à vontade para interagir contando algo do seu final de semana ? E pior, quando todos estão na frente do chefe e o clima representado é de uma equipe coesa e feliz? Mas quando você sabe também que não é bem assim?
Pois é, pode até parecer que não por já ter virado costume, mas este é o momento mais devastador do seu dia. Vamos destrinchar um pouco mais isso. Primeiro, você está num ambiente em que deveria ser, em tese, altamente prazeroso para que você pudesse colocar seus talentos à prova, exaurir sua criatividade, aprender todos os dias um pouco, se desenvolver e produzir resultados. Ao invés disso, você mais parece caminhar em campo minado ou numa área de guerra onde franco-atiradores se mantêm disfarçados no ambiente.
Seu cérebro está a mil, tentando identificar a postura correta e todos os possíveis falsos amigos em meio “à multidão”. Muitos já são velhos conhecidos, mas nunca se sabe quais outros podem ter sido arregimentados nas reuniões prévias. E, inconscientemente, você ainda aguarda para ver com quem vai se decepcionar. É um turbilhão mental enquanto o físico deve se manter segundo os manuais de conduta mais rígidos da diplomacia francesa.
Assim, o sorriso e a conversa fiada, muitas vezes, buscam apenas ganhar tempo enquanto tenta detectar algum sinal. É mais ou menos como naqueles filmes em que os zumbis ou alienígenas vivem em corpos humanos e os humanos tentam detecta-los.
Talvez, racionalmente, a gente não processe tudo isso dessa forma. Mas não se engane porque seu cérebro não para de trabalhar e seu inconsciente detecta muito mais do que o você pode imaginar. O cérebro é o órgão que comanda a nossa adaptação ao meio ambiente. Se temos medo, irritação, impulsos, se nos sentimos bem, confortáveis, felizes, a ordem vem dali.
“Assim, o sorriso e a conversa fiada, muitas vezes, buscam apenas ganhar tempo enquanto tenta detectar algum sinal. É mais ou menos como naqueles filmes em que os zumbis ou alienígenas vivem em corpos humanos e os humanos tentam detecta-los.”
Estresse tóxico
Outro dia, numa reunião na minha casa, uma amiga, neurocientista, estava comentando sobre o efeito do que se chama estresse tóxico de meios conturbados no desenvolvimento cerebral de crianças e adolescentes. Falava justamente que, numa fase importante para evolução das conexões cerebrais, perde-se tempo e energia focando na adaptação a esses ambientes e, isso, gera problemas adiante, inibe a criatividade na vida adulta, além de criar gatilhos inconscientes. Ela se referia a situações extremas de crianças que sofrem violência em casa ou mesmo que presenciam relações familiares conturbadas, geralmente associadas à situações de miséria, abuso de álcool e drogas,.
Pensando nessa realidade, fiz um paralelo com o universo corporativo onde entramos já adultos, é verdade, mas onde, muitas vezes, passamos anos, décadas, interagindo no mesmo. Assim, da mesma forma em que o cérebro das crianças gasta tempo e energia para se adaptar a uma realidade tóxica em vez de estar se desenvolvendo num momento importante da vida, o nosso faz caminho semelhante. Somos adultos ao entrar no mercado de trabalho na idade, porém, totalmente imaturos para lidar com a nova realidade. E, ali, vamos sendo moldados.
Durante muitos anos, acredito, por força da cultura que marcou gerações isso tudo foi jogado para baixo do tapete e subjugado. Afinal, o trabalho enobrece, trabalhar muito, aguentar o tranco e engolir sapo fazia parte do processo de aperfeiçoamento no mercado.
Hoje, porém, os ambientes corporativos convivem com gerações em que “meu nome é trabalho” é não é mais o lema. Os profissionais em geral buscam valores, querem se sentir parte, ver sentido no que fazem, na forma que gastam a maior parte do seu tempo. O impacto do estresse tóxico, não vai mais para baixo do tapete. Engolir a seco, entala. Os falsos amigos podem levar a depressão.
Depressão e previdência
Não é à toa que a depressão atinge mais de 11% da população ao longo da vida, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde) e até 2020 deverá ser a doença que mais incapacita em todo mundo. O dado é alarmante não só porque 2020 está batendo à nossa porta, mas porque estamos no meio de um debate sobre reforma da previdência onde a preocupação com medidas preventivas, que evitem o crescimento das concessões de auxílio doença devem ter tanta atenção quanto o rombo nas contas públicas já verificado.
No arena corporativa, esse esgotamento emocional tem até um nome específico: síndrome de burnout. E o mais triste é que a vergonha, o medo da estigmatização (aqueles comentários do tipo: ah, isso é frescura ou só uma fase ruim! ) fazem com que não se dê a devida atenção. O Brasil está no topo da lista dos países campeões na América Latina quanto o tema é depressão. Estudos estimam que mais da metade das pessoas que sofrem com a doença, não tem diagnóstico por depressão, desconhecem a doença e o tratamento.
A boa notícia é que as empresas parecem cada vez mais de olho nessa questão. O problema, talvez, seja o ritmo de avanço das mudanças. Afinal, não basta derrubar paredes, decorar os espaços com puffs coloridos para torná-los colaborativos ou ainda fazer com que vejamos os colegas nas mesas ao redor como amigos de fato. É preciso mudar toda uma cultura e ter lideranças que consigam fazer funcionar ambientes assim.
As startup, que têm como referência pólos como São Francisco, nos EUA, tem nos mostrado que pressão e cobrança podem ser aliviados em ambientes colaborativos, onde equipes com pessoas de diferentes perfis se completam, se ajudam e dividem ônus e bônus. Na grande maioria das vezes, não são amigos que trabalham juntos nos últimos 10, 15 anos. São pessoas que se juntaram por um objetivo comum, que tem habilidades complementares e que vão trabalhar em prol de um sonho: criar algo que revolucione o mundo.
Não acredito em fórmula mágica ou no mundo ideal, mas estamos falando de seres humanos que são carentes e inseguros por natureza e precisam de apoio para se desenvolver e florescer. A cultura do somos-da-família-empresa quando, na verdade, não nos identificamos como filhos, irmãos e amigos de fato, ficou para trás e os falsos amigos estão com os dias contados. Menos mal.
Jornalista e economista com mais de 25 anos de experiência nos grandes jornais do país (Folha, Estadão, O Globo, Gazeta Mercantil, Correio Brasiliense, TV Record), especializada na cobertura financeira e política em Brasília, foi assessora especial no Ministério da Fazenda.