A maldição da Previdência

Brasilia 10 07 2019 Plenário da camara dos deputados aprova texto-base da reforma da Previdência por 379 votos a 131 foto Fabio Rodrigues Pozzebom/Ag. Brasil
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Por causa dela, muitos políticos já perderam eleições que consideravam ganhas e acabaram crucificados em suas bases por seus adversários políticos

 

Quem apenas vê as fotos de deputados federais empunhando bandeirinhas do Brasil no plenário da Câmara, na quarta-feira (10/07) à noite, pode até achar que aquela foi uma votação fácil. Mas não nos enganemos: por trás do surpreendente placar de 379 votos a favor e 131 contra o texto-base da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 06/2019 que altera as regras da previdência social no país há muitos medos e dúvidas que podem ser resumidos numa frase: será que a maldição da previdência vai pegar?

É como nas histórias de bicho-papão ou mula sem cabeça em que entidades sombrias e maldosas se escondem nas vias mal iluminadas ou nas florestas escuras e podem atacar os passantes desavisados ou imprudentes. É sempre bom ter cautela ao sair à noite. Assim, os parlamentares encaram os desafios de ter que votar assuntos tradicionalmente impopulares, como uma reforma da previdência. Afinal, nenhum país no mundo já propôs alguma vez na história uma reforma que aumentasse os benefícios, reduzisse o tempo de contribuição e permitisse que seus cidadãos se aposentassem mais jovens.

A maldição da previdência assusta os políticos no Brasil há muito tempo. Por causa dela, por defenderem reformas ou simples ajustes nas contas previdenciárias no passado, muitos perderam eleições que consideravam ganhas e acabaram crucificados em suas bases por seus adversários políticos. Não é outra a explicação para que boa parte dos deputados federais tenha se negado a incluir nas regras gerais da chamada “nova previdência” proposta pelo governo Bolsonaro os servidores públicos de estados e municípios.

Nas contas políticas deles, se incluíssem todas as esferas de governo na reforma, eles desgastariam suas imagens frente aos eleitores de suas bases enquanto os governadores e deputados estaduais passariam ilesos pela situação um ano antes das eleições municipais de 2020. A questão é particularmente mais grave, na visão dos parlamentares federais, nos estados do Norte e Nordeste onde os governos regionais são os principais patrões.

“Por causa dela, por defenderem reformas ou simples ajustes nas contas previdenciárias no passado, muitos perderam eleições que consideravam ganhas e acabaram crucificados…”

O Brasil já passou por pelo menos duas outras reformas constitucionais de regras da previdência. A emenda constitucional 20, proposta pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso em 1995, atingiu as regras para iniciativa privada, para o serviço público e para a previdência complementar. Como diziam os especialistas na época: chamava todo mundo para a briga ao mesmo tempo e, por isso, levou três anos de tramitação no Congresso Nacional. Na eleição geral de 1998, políticos proeminentes da base do governo foram vítimas da maldição e não se reelegeram.

No seu primeiro ano de governo, em 2003, o então presidente Lula apresentou também sua reforma e a emenda constitucional 41 começou a valer no início de 2004, focando essencialmente os servidores públicos. Foi a primeira grande vitória do petista na Presidência dentro do Congresso Nacional, mas ao custo de protestos violentos e greve de servidores. No dia da votação, houve tentativa de invasão do Congresso e confronto com a polícia. Os políticos mais radicais do PT não se dobraram e para evitar a maldição votaram contra, acabaram expulsos do partido e deram origem ao PSOL.

No momento atual, em que uma nova reforma da previdência ganhou a centralidade nas pautas dos poderes Executivo e Legislativo, parece haver um clima de apoio popular ao tema. Nas recentes manifestações de apoio ao presidente da República, por exemplo, pôde-se ver de forma inédita as pessoas dando seu apoio também à reforma previdenciária.

Esse contexto é diferente do que existiu nas reformas passadas, mas certamente os políticos não se deixaram enganar e ainda temem a maldição da previdência. Apenas esperam e torcem que os reflexos econômicos da aprovação da reforma sejam tão positivos nos próximos três anos que isso evitará que eles sejam amaldiçoados antes das eleições de 2022.

Jornalista, especializou-se na cobertura política e econômica em Brasília por grandes veículos como Estadão, O Globo, TV Bandeirantes, Jornal do Brasil. Integrou equipes de comunicação de órgãos como Ministérios da Fazenda, da Previdência, Conselho Nacional de Justiça, Superior Tribunal de Justiça.

Isabel Sobral

Isabel Sobral

Jornalista, especializou-se na cobertura política e econômica em Brasília por grandes veículos como Estadão, O Globo, TV Bandeirantes, Jornal do Brasil. Integrou equipes de comunicação de órgãos como Ministérios da Fazenda, da Previdência, Conselho Nacional de Justiça, Superior Tribunal de Justiça.