O novo normal

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O novo normal?
Ele já começou, você sabia?

 

Como será o novo normal? Qual o perfil do consumidor? Do ensino? As rotinas de vida?

Esse tal de novo normal tomou conta das conversas. Assumiu lugar do Brasileirão, daquela super série de TV num momento em que as mesas de bares foram esvaziadas, em que nos distanciamos fisicamente e nos conectamos no mundo on-line.

De repente, é como se estivéssemos numa contagem regressiva. Assim como na noite de 31 de dezembro. Mas, atenção! Vamos alinhar as expectativas porque o que virá, nada mais é do que um novo ano-calendário. Simples assim. Sem mágica.

E o novo normal?

Ah! Ele já está aí. Já começou a ser construído, e você precisa olhar para dentro de si e ao seu redor para identificar os seus alicerces.

Em algum momento nos últimos meses, uns por mais tempo, outros, menos, fomos confrontados com nós mesmos. Se fosse como num jogo Lego, funcionaria assim: alguém pegou uma daquelas bases quadradas e colocou todos nossos “eus” lá dentro (trabalho, família, amigos, parentes…) e não deu tempo sequer de pegar o manual do jogo ou de abastecer a despensa com comida.

Foi tipo: cuida aí que a vida é tua e preste atenção, porque esse lado aqui não pode cruzar com esse outro, ninguém deve entrar nem sair nesta parte, você tem que definir o plano de sobrevivência e por aí vai…
Esse foi o novo normal dos últimos quatro meses. Uma espécie de freio de arrumação. A base para reconstrução das rotinas.

E teve de tudo. Passado o momento de atordoamento coletivo, a sensação de que “isso dura uma semana, então, vamos curtir uns dias”, a gente teve que encarar o nosso melhor e o nosso pior. E não só o nosso. O nosso, dos nossos filhos, companheiros, amigos, familiares, pets…

Assim, sem data comemorativa ou fogos de artifício esse tal de novo normal já está aí na sua porta. Fique esperto!
Isso mesmo, outro dia uma amiga falou que o gato andava estressado e ela achava que era porque ele nunca ficou tanto tempo com ela dentro de casa!!!

A brincadeira de casinha passou de novidade a problema? Vamos repassar algumas atividades:
– lavar, passar, cozinhar, trabalhar, estudar (100 mortos por dia);
– namorar, brigar, conversar, organizar o calendário das aulas on-line das crianças, cancelar a viagem de Páscoa (300 mortos por dia);
– fazer live, acompanhar live, live do trabalho, do aniversário, do amigo influencer, do amigo nada influencer, do amigo que quer ser influencer (500 mortos por dia);
– olha o vídeo do infectologista, as dicas da amiga que ouviu de outra amiga, o meme da vez, a dica para tomar cloroquina, para tomar vermífugo, mais um vídeo de um médico, as imagens que o parente mandou de gente na rua sem máscara, o alerta para não tomar cloroquina, Igg, IgM, PCR (1.000 mortos por dia).

Olhando agora, tudo escrito dessa forma, acho que poderíamos ter surtado muito mais. Não sei aí, mas aqui passei pela fábrica de pães, panquecas, bolos e biscoitos para ódio mortal da cozinha. Teve uma hora que minha vontade era lacrar a porta e passar o resto da quarentena em jejum. Minha tia costuma dizer, quando a gente tem fome à noite: “Dorme que o sono alimenta”. Confesso, que cheguei a testar isso aqui em casa.

Na maior parte desses quesitos todos, fui ao meu limite. Administrei a porta da geladeira que caiu, o armário sem porta, a bateria do computador que inchou e poderia explodir segundo o suporte que consultei, o medo de sair à rua, de falar com o vizinho… e as aulas on-line. Ah, essas aí dariam um capítulo à parte. Se não, vários capítulos.

E o meu novo normal no meio disso tudo aí? Bom, vamos lá:
– uma cozinheira razoável, mas nem de longe disposta a encarar essa rotina;
– uma dona de casa menos neurótica com a organização (concentrei toda minha neurose no álcool em gel: meu consumo em quatro meses supera o de toda minha existência, e acho que terei problemas para me desapegar dele. Tenho uns quatro litros de álcool líquido 70% para limpeza e, outro dia, fui ao supermercado e estava em promoção. Não resisti e comprei mais dois litros… vai que acaba, né?);
– uma profissional mais focada e produtiva;
– uma mãe mais presente;
– uma mulher mais companheira;
– uma filha mais compreensiva.

Esses foram alguns dos “eus” que passei a enxergar de outro jeito. Eles são novos? Claro que não. São normais? Claro que sim. É a minha essência. Posso não ter olhado dessa forma, ter lapidado algumas coisas, iluminado mais outras, ajustado um pouquinho aqui, outro ali, estragado outras. Mas tudo estava lá. Muita coisa não havia sido testada, mas já vim com essa funcionalidade de fábrica.

O novo normal está aí dentro de você. Você está enxergando, ativando, confrontando aos poucos. Mas já bateu na sua porta. Você pode abrir a porta agora, convidá-lo para entrar e fazer os seus combinados ou apagar as luzes, fingir que a casa está vazia e esperar o ano novo chegar. Aí, é com você.

Mas, atenção! Porque, neste isolamento social, você não pode fugir de você. E depois de que tudo o que você viu e viveu no seu jogo Lego, vai ser difícil ignorar só porque poderá não usar mais mascara ou ter liberdade para sair à rua.

O que será normal…

Cada um de nós fará a seu tempo, e essa combinação de tempos e movimentos não será dada por um decreto governamental.

Não teremos uma data de lançamento ou comemoração do novo normal. Ele é uma construção que já estamos vivendo e terá reflexo na forma de nos relacionarmos como sociedade daqui para frente, sem data para ser finalizado.
Com isso, fique esperto: 2021 não vai trazer o novo, porque o seu novo normal já começou… o que vai ter de novo? Mais um ano-calendário, um novo janeiro, fevereiro…qual será o normal? Bom, aí você que vai dizer.

Sheila D'Amorim

Sheila D'Amorim

Jornalista e economista com mais de 25 anos de experiência nos grandes jornais do país (Folha, Estadão, O Globo, Gazeta Mercantil, Correio Brasiliense, TV Record), especializada na cobertura financeira e política em Brasília, foi assessora especial no Ministério da Fazenda.